“O dia deu em chuvoso”, escreveu
Álvaro de Campos. Num tempo soturno, melancólico, deprimente. “Tempo de solidão
e de incerteza / Tempo de medo e tempo de traição / Tempo de injustiça e de
vileza / Tempo de negação”, diria Sophia de Mello Breyner.
Tempo de minhocas e de filhos da
puta, digo eu.
Entendendo-se a expressão como
uma metáfora grosseira utilizada no sentido de maldizer alguém ou alguma coisa,
acepção veiculada pelo Dicionário da Academia e assente na jurisprudência
emanada dos meritíssimos juízes desembargadores do Supremo Tribunal da Justiça.
Um reino de filhos da puta é
assim uma excelente metáfora de um país
chamado Portugal. Que remunera vitaliciamente uma “sinistra matilha” de
ex-políticos, quando tudo ou quase tudo à nossa volta se desagrega a caminho de
uma miséria colectiva irreversível.
Carlos Melancia, ex-governador de
Macau, empresário da indústria hoteleira, personificou o primeiro julgamento
por corrupção no pós 25 de Abril. Recebe, actualmente, 9500€ mensais; Dias Loureiro, um “quadrilheiro” do círculo
político de Cavaco, ex-gestor da SLN, detentora do BPN, embolsa vitaliciamente
1700€ cada mês; Joaquim Ferreira do
Amaral, membro actual da administração da Lusoponte com a qual negociou em nome
do governo de Cavaco Silva, abicha 3000 €; Armando Vara, o amigo do sucateiro
Godinho que lhe oferecia caixas de robalos e ex-administrador da Caixa Geral de
Depósitos, enfarda nada mais nada menos que 2000€; Duarte Lima, outro dos “quadrilheiros” do
círculo político cavaquista, acusado pela justiça brasileira do assassinato de
uma senhora para lhe sacar uns milhões de euros, advogado na área de gestão de
fortunas, alambaza-se mensalmente com 2200€; Zita Seabra, que transitou do PCP
para o PSD com a desfaçatez oportunista dos vira-casacas, actual presidente da
Administração da Alêtheia Editores, açambarca 3000€… E muitos, muitos outros,
que os caracteres a que este espaço me obriga, me forçam a deixar de referir.
Quero, no entanto, relevar um
deles – Ângelo Correia, o famoso
ministro do tempo da chamada “insurreição dos pregos”, actual gestor e criador
de Passos Coelho que, nesta democracia de merda, chegou a primeiro-ministro
“sem saber ler nem escrever”! Pois Ângelo Correia recebe 2200€ mensais de
subvenção vitalícia! E valerá a pena recuperar o que disse este homem ao
Correio da Manhã em 14 de Junho de 2010: “A terminologia político-sindical
proclama a existência de „direitos adquiridos‟ (…) Ora, numa democracia,
„adquiridos‟ são os direitos à vida, à liberdade de pensamento, acção, deslocação,
escolha de profissão, organização política (…)
Continuarmos a insistir em direitos adquiridos intocáveis é condenar
muitos de nós a não os termos no futuro.” Ora, perante a eventual supressão da
acumulação da referida subvenção vitalícia com vencimentos privados, o mesmo
Ângelo Correia disse à RTP em 24 de Outubro de 2011: “Os direitos que nós temos
(os políticos subvencionados) são direitos adquiridos”! Querem melhor? Pois
bem. Este é o paradigma do “filho da puta” criador.
Porque, depois, há o “filho da
puta” criatura. Chama-se Passos Coelho.
Ei-lo em todo o seu esplendor, afirmando em Julho de 2010: “Nós não olhamos
para as classes médias a partir dos 1000€, dizendo: aqui estão os ricos de
Portugal. Que paguem a crise”. E em Agosto de 2010: “É nossa convicção não
fazer mais nenhum aumento de imposto. Nem directo nem encapotado. Do nosso
lado, não contem para mais impostos”. Em Março de 2011: “Já ouvi o
primeiro-ministro (José Sócrates) a querer acabar com muitas coisas e até com o
13.º mês e isso é um disparate”. Ainda em Março de 2011: “O que o país precisa
para superar esta crise não é de mais austeridade”. Em Junho de 2011: “Eu não
quero ser o primeiro-ministro para dar emprego ao PSD. Eu não quero ser o
primeiro-ministro para proteger os ricos em Portugal”. Perante isto, há que
dizer que pior que um “filho da puta”,
só um “filho da puta” aldrabão.
Ora, José Sócrates era um
mentiroso compulsivo. Disse-o aqui vezes sem conta. Mas fazia-o com convicção e
até, reconheço, com alguma coragem. Este sacripanta de nome Coelho, não. É
manhoso, sonso, cobarde. Refira-se apenas uma citação mais, proferida pelo
mesmo “láparo”, em Dezembro de 2010. Disse ele: “Nós não dizemos hoje uma coisa
e amanhã outra (…) Nós precisamos de valorizar mais a palavra para que, quando
é proferida, possamos acreditar nela”. Querem melhor?
“O dia deu em chuvoso”, escreveu
Álvaro de Campos. É o “tempo dos coniventes sem cadastro / Tempo de silêncio e
de mordaça / Tempo onde o sangue não tem rasto / Tempo de ameaça”, disse
Sophia. Tempo para minhocas e filhos da puta, digo eu. É o tempo do Portugal
que temos.
Nota – Dada a exposição pública
do jornal com esta crónica na última página, este título destina-se apenas a
não ferir as sensibilidades mais puras. Ou mais púdicas.
Luís Manuel Cunha in Jornal de
Barcelos de 02 de Novembro de 2011.
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