domingo, 18 de novembro de 2012

Tarrafal


O campo de concentração do Tarrafal era um rectângulo de arame farpado contornado por uma vala de 4 metros de largura e profundidade.
Ficava entre montes escarpados, sem vegetação.
Havia um talude de 3 metros feito de terra e onde estava instalada uma metralhadora.
Uma ponte de madeira era a única entrada e saída do campo. Dum lado e do outro estão dois fortins.
Dentro do campo existem 4 barracões sem higiene, barracas de madeira que funcionam como oficinas, balneário e uma cozinha, tudo sem condições de asseio.
Havia algumas árvores no recinto.

Em 29 de Outubro de 1936 chegaram os primeiros presos da ditadura, vindos de outras prisões, como Caxias e Peniche, em condições desumanas.
Ao fim de dois anos as barracas apodreceram, e os prisioneiros eram obrigados a consertá-las o único edifício de pedra era a cozinha, e mesmo assim inacabada.
Dentro das barracas não havia luz. A comida era intragável, que por vezes os presos comiam com miolo de pão nas narinas por causa do mau cheiro.
Os presos eram obrigados a trabalhar numa pedreira. Depois do trabalho não havia água para se lavarem, nem para lavar a roupa.  Não havia médico, nem enfermeiro, nem medicamentos.
Um dia um cão ficou amigo dos presos, e um guarda decidiu abatê-lo com um tiro no crânio.

Em 12 de Julho de 1937 chegaram novos 41 presos, a juntar aos primeiros 150.
O barracão que servia de sala de instrução foi desmantelado.
A 2 de Agosto dá-se a primeira tentativa de fuga. 16 presos forma metidos no “segredo”. O edifício tinha 7 metros de comprimento e 3,5 de largura coberto por cimento armado, dividido em 2 divisões. É a chamada “frigideira”. A luz e o ar entram por 3 buracos feitos na porta de ferro, e por um pequeno rectângulo aberto junto ao tecto. Durante o dia o ar aquece lá dentro e torna-se irrespirável, os presos tem de se despir para suportar o calor. A tortura passa por privar os presos de água e comida.
Ai, são obrigados a passar mais de 10 dias e que podem chegar aos 50. Não são permitidos banhos e as necessidades são feitas numa lata, que com o calor faz um cheiro horrível, e a urina a evaporar faz arder os olhos. Revezam-se junto aos buraquinhos da porta para poderem respirar.
De noite os mosquitos invadem as celas. De dia eram espancados, e os corpos doíam deitados no chão de terra dura. Durante o dia os buraquinhos da porta eram tapados para torturar ainda mais os prisioneiros. A água da lata com o calor apodrecia.
Só pela madrugada a porta arrefecia e os presos encostavam-se a ela, para se refrescarem. Com tudo isto as doenças vinham. Era no chão, completamente nus, que agonizavam, entre picadas das formigas.
Durante 6 meses foram proibidos de escrever ás famílias. A ração de água foi também diminuída.

No dia 4 de Agosto os doentes forma obrigados a estar 4 horas ao sol.
Com o tempo o calçado gastou-se e os presos tinham de andar descalços. Deixou de haver papel higiénico, e os presos passaram a usar roupa para se limparem, camisas e até lençóis.
Começaram a vir os vómitos devido a má alimentação. Os indígenas foram proibidos de entrar no campo, com receio de haver uma epidemia na ilha.

A 20 de Setembro começaram a morrer presos. Os caixões eram feitos pelos outros presos, que trabalhavam dia e noite, para que os corpos dos companheiros de infortúnio não apodrecessem. Só no dia 30 de Setembro se soube dos primeiros 6 mortos do campo.
A 29 de Outubro as mortes recomeçaram. Em 17 de Novembro, Manuel Martins dos Reis é afastado de director da prisão do Tarrafal, acusado de roubar o estado. Os livros das contas da prisão desapareceram.
Foi nomeado director José Júlio da Silva e as condições melhoraram.
A esposa de um oficial ofereceu 2 cães aos presos, mas um deles, que se virava aos guardas em defesa dos presos, foi levado para ser enforcado, e deram-lhe 2 tiros na cabeça. Sobreviveu e foi tratado em segredo pelos presos, mas foi de novo apanhado e enforcado com arame farpado.
Dia 20 de Janeiro as mortes recomeçam. O médico era indiferente parente os doentes, controlando e sonegando os medicamentos.

Em 19 de Outubro de 1938 José Júlio da Silva é substituído por João da Silva.
Este carrasco tratou logo de piorar as condições dos prisioneiros. Começaram os castigos em série e os espancamentos.
Durante os dois anos de comando a “frigideira” nunca esteve vazia, para onde iam os presos por motivos sempre ridículos. Os carrascos eram sempre estúpidos e incultos.
A 6 de Julho de 1940 foi substituído por Duarte Osório Fernandes.

Em condenações finavam, mas os presos não eram libertos, alguns ficaram presos mais 6 anos do que a pena, muitos morreram depois de cumprir pena.

domingo, 29 de abril de 2012

Todo o pensador que se quiser tornar orador, todo o homem de espírito e de coração que se queira fazer eloquente e ser eloquente, comover as massas, dominar as assembléias, agitar os impérios, com a sua palavra, bastará que passe da região das idéias para o domínio dos lugares-comuns.

Victor Hugo, in 'Cadernos'

Seremos os futuros escravos da Europa?

domingo, 1 de abril de 2012

A única crítica é a gargalhada! Nós bem o sabemos: a gargalhada nem é um raciocínio, nem um sentimento; não cria nada, destrói tudo, não responde por coisa alguma. E no entanto é o único comentário do mundo político em Portugal. Um Governo decreta? gargalhada. Reprime? gargalhada. Cai? gargalhada. E sempre esta política, liberal ou opressiva, terá em redor dela, sobre ela, envolvendo-a como a palpitação de asas de uma ave monstruosa, sempre, perpetuamente, vibrante, e cruel – a gargalhada! Política querida, sê o que quiseres, toma todas as atitudes, pensa, ensina, discute, oprime – nós riremos. A tua atmosfera é de chalaça.

Eça de Queirós, in 'Uma Campanha Alegre'

domingo, 25 de março de 2012

Os povos serão cultos na medida em que entre eles crescer o número dos que se negam a aceitar qualquer benefício dos que podem; dos que se mantêm sempre vigilantes em defesa dos oprimidos não porque tenham este ou aquele credo político, mas por isso mesmo, porque são oprimidos e neles se quebram as leis da Humanidade e da razão; dos que se levantam, sinceros e corajosos, ante as ordens injustas, não também porque saem de um dos campos em luta, mas por serem injustas; dos que acima de tudo defendem o direito de pensar e de ser digno.

Agostinho da Silva, in 'Diário de Alcestes'

Um País de Canalhas

Pensar Portugal. 

Nós somos um país de «elites», de indivíduos isolados que de repente se põem a ser gente. Nós somos um país de «heróis» à Carlyle, de excepções, de singularidades, que têm tomado às costas o fardo da nossa história. Nós não temos sequer núcleos de grandes homens. Temos só, de longe em longe, um original que se levanta sobre a canalhada e toma à sua conta os destinos do país. A canalhada cobre-os de insultos e de escárnio, como é da sua condição de canalha. Mas depois de mortos, põe-os ao peito por jactância ou simplesmente ignora que tenham existido. Nós não somos um país de vocações comuns, de consciência comum. A que fomos tendo foi-nos dada por empréstimo dos grandes homens para a ocasião. Os nossos populistas é que dizem que não. Mas foi. A independência foi Afonso Henriques, mas sem patriotismo que ainda não existia. Aljubarrota foi Nuno Álvares. Os descobrimentos foi o Infante, mas porque o negócio era bom. O Iluminismo foi Verney e alguns outros, para ser deles todos só Pombal. O liberalismo foi Mouzinho e a França. A reacção foi Salazar. O comunismo é o Cunhal. Quanto à sarrabulhada é que é uma data deles. Entre os originais e a colectividade há o vazio. O segredo da nossa História está em que o povo não existe. Mas existindo os outros por ele, a História vai-se fazendo mais ou menos a horas. Mas quando ele existe pelos outros, é o caos e o sarrabulho. Não há por aí um original para servir?

Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 2'
Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

quinta-feira, 22 de março de 2012


Hoje depois de ver o que se passou hoje na minha cidade de Lisboa, tive vergonha de Portugal. Não esperava ver isto outra vez. Já Cavaco Silva o tinha feito no seu governo, Passos Coelho segue-lhe os passos. Infelizemente quando forem de novo as eleições já todos se esqueçeram disto, que existem governos que batem em jornalistas e no povo, (e não falo dos arruaceiros, esses não tem desculpa, são deliquentes e criminosos que atentam contra a integridade fisica das pessoas). Mas tanto histerissmo porque se atiraram ovos ás dependencias bancárias? Já não lhes bastam os 500 milhões de euros para o BPN e outro tantos para os outros, para se depois vender á familia Dos Santos, a preço de saldo?

sábado, 3 de março de 2012


OS NOSSOS INTELIGENTES GOVERNANTES E A TROIKA DA SRA. MERKEL ACHAM QUE OS PORTUGUESES TEM DIREITO APENAS A 12 DIAS DE INDEMNIZAÇÃO POR CADA ANO DE TRABALHO, A BEM DA HARMONIZAÇÃO E EQUIPARAÇÃO AOS OUTROS PAÍSES DA EUROPA QUE JÁ TEM ESTA LEI: VEJAMOS ENTÃO COMO FICA, BASEANDO-SE NO SALÁRIO MÍNIMO DE CADA PAÍS:


SUIÇA     1.166,40 €
LUXEMBURGO 703,02 €
IRLANDA 661,20 €
BÉLGICA 566,10 €
HOLANDA 560,00 €
FRANÇA 551,08 €
REINO UNIDO 414,00 €
ESPANHA 299,32 €
PORTUGAL 194,00 €


AGORA TIREM AS VOSSAS CONCLUSÕES, E VEJAM O QUE RECEBEM OS OUTROS POR CADA ANO DE TRABALHO E OS PORTUGUESES

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012





2012/02/01


Exmo Senhor Presidente da República

Lisboa

Vou usar um meio hoje praticamente em desuso mas que, quanto a mim, é a forma mais correcta de o questionar, porque a avaliar pelas conversas que vou ouvindo por aqui e por ali, muitos portugueses gostariam de ver esclarecidas as dúvidas que vou colocar a V/Exa e é por tal razão que uso a forma “carta aberta”, carta que espero algum dos jornais a que a vou enviar com pedido de publicação dê à estampa, desejando que a resposta de V/Exa fosse também pública.

Tenho 74 anos, sou reformado, daqueles que descontou durante 41 anos, embora tenha trabalhado durante 48, para poder ter uma reforma e que, porque as pernas já me não permitem longas caminhadas e o dinheiro para os transportes e os espectáculos a que gostaria de assistir não abunda, passo uma parte do meu dia a ler, sei quantos cantos há nos Lusíadas, conheço Camilo, Eça, Ferreira de Castro, Aquilino, Florbela, Natália, Sofia e mais uns quantos de que penso V/Exa já terá ouvido falar e a “navegar na net”.

São precisamente as “modernices” com que tenho bastante dificuldade em lidar que motivam esta minha tomada de posição porquanto é aí que circulam a respeito de V/Exa afirmações que desprestigiam a figura máxima do País Portugal, que, em minha opinião, não pode estar sujeita a tais insinuações que espero V/Exa desminta categoricamente.

Passemos à frente das insinuações de que V/Exa foi 1º Ministro de Portugal durante mais de dez anos, época em que V/Exa vendeu as nossa pescas, a nossa agricultura, a nossa indústria a troco dos milhões da CEE, milhões que, ao contrário do que seria desejável, não serviram para qualquer modernização ou reforma do nosso País mas sim para encher os bolsos de alguns, curiosamente seus correligionários senão mesmos seus amigos. Acredito que esse tempo que vivemos sob o comando de V/Exa e que tanto mal nos fez foi apenas fruto de incompetência o que, sendo lamentável, não é crime, os crimes foram praticados por aqueles que se encheram à custa do regabofe, perdoe-me o popularismo, que se viveu nessa época e que, curiosamente, ou talvez não, continuam sem prestar contas à justiça.

Entremos então no que mais me choca, porque nesses outros comentários,

a maioria dos quais anónimos mas alguns assinados, é a honestidade de V/Exa que é posta em causa e eu não quero que o Presidente da República do meu país seja o indivíduo que alguns propalam pois que entendo que o cargo só pode ser ocupado por alguém em quem os portugueses se revejam como símbolo de coerência e honestidade, é assim que penso que nesta carta presto um favor a V/Exa, pois que respondendo às questões que vou colocar, findarão de vez as maledicências que, quero acreditar, são os escritos que por aí circulam.

1ª Questão:

Circula por aí um “escrito” que afirma que V/Exa, professor da Universidade Nova de Lisboa, após ser ministro das finanças, foi convidado para professor da Universidade Católica, cargo que aceitou sem se ter desvinculado da Nova o que motivou que lhe fosse movido um processo disciplinar por faltar injustificadamente às aulas da Nova, processo esse conducente ao despedimento com justa causa, que se teria perdido no gabinete do então ministro da educação, a quem competiria o despacho final, João de Deus Pinheiro, seu amigo e beneficiado depois de V/Exa ascender a 1º Ministro com o lugar de comissário europeu, lugar que desempenhou tão eficazmente que o levou a ficar conhecido como “comissário do golfe”.

Pergunta directa:

Foi ou não movido a V/Exa um processo disciplinar enquanto professor da Universidade Nova de Lisboa?

Se a resposta for afirmativa, qual o resultado desse processo?

Se a resposta for negativa é evidente que todas as informações que andam por aí a circular carecem de fundamento.

2ª Questão:

Circulam por aí vários escritos sobre a regularidade da transacção de acções do BPN que V/Exa adquiriu.

Sendo certo que as referidas acções não estavam cotadas em bolsa e portanto só poderiam ser transaccionadas por contactos directos, vulgo boca a boca, faço sobre a matéria várias perguntas:

1ª - Quem aconselhou a V/Exa tal investimento?

2 ª- A quem adquiriu V/Exa as referidas acções?

3ª- Em que data, de que forma e a quem vendeu V/Exa as acções?

4ª- Sendo V/Exa um renomado economista não estranhou um lucro de 140% numa aplicação de tão curto prazo?

3ª Questão

Tendo em atenção o que por aí circula sobre a Casa da Coelha, limito-me a fazer perguntas:

1ª- É ou não verdade que o negócio entre a casa de Albufeira e a casa da Coelha foi feito como permuta de imóveis do mesmo valor para evitar pagamento de impostos?

2ª- Se já foi saldada ao estado a diferença de impostos com que atraso em relação à escritura se processou a referida regularização?

3ª- É ou não verdade que as alterações nas obras feitas na casa da Coelha, nomeadamente a alteração das áreas de construção foram feitas sem conhecimento da autarquia?

4ª- A ser positiva a resposta à pergunta anterior se já foi sanado o problema resultante de obras feitas à revelia da autarquia, em que data foi feita tal regularização e se foi feita antes ou depois das obras estarem concluídas?

5ª- Última pergunta, esta de mera curiosidade, será que V/Exa já se lembra do cartório em que foi feita a escritura?

4ª- Questão

Esta não circula na Net, é uma questão que eu próprio lhe coloco:

Ouvi V/Exa na TV dizer que tinha uma reforma de 1300 €, que quase lhe não chegava para as despesas, passando fugazmente pela reforma do Banco de Portugal. Assim pergunto:

1ª- Quantas reformas tem V/Exa?

2ª- De que entidades e a que anos de serviços são devidas essas reformas?

3ª- Em quantas não recebe 13º e 14º mês?

4ª- Abdicou V/Exa do ordenado de PR por iniciativa própria ou por imposição legal?

5ª Recebe ou não V/Exa alguns milhares de euros como “despesas de representação”?

Fico a aguardar a resposta de V/Exa com o desejo de que a mesma seja de tal forma conclusiva e que, se V/Exa o achar conveniente, venha acompanhada de cópias de documentos, que provem a todos os portugueses que o que por aí circula na Net, não passam de calúnias e intrigas movidas contra a impoluta figura de Sua Exa o Senhor Presidente da República de Portugal.

A terminar e depois de recordar mais uma das suas afirmações na TV, lembro uma frase do meu avô, há muito falecido, alentejano, analfabeto e vertical: “ NÃO HÁ HOMENS MUITO OU POUCO SÉRIOS, HÁ HOMENS SÉRIOS E OUTRAS COISAS QUE PARECEM HOMENS”. Por mim, com a idade que tenho já não preciso, nem quero nascer outra vez, basta-me morrer como tenho vivido, sério.

Com os meus melhores cumprimentos.

José Nogueira Pardal

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012






Traz outro amigo também - José Afonso

José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos (ZECA AFONSO) nasce em Aveiro, a 2 de Agosto de 1929, filho dum magistrado e duma professora primária. A infância reparte-se entre Aveiro, Angola, Moçambique, Belmonte e Coimbra, devido às sucessivas deslocações profissionais do pai.

Em Coimbra, estudante do Liceu D. João III, conhece o guitarrista António Portugal e começa a interessar-se pela música. Em fins da década de 40, já aluno de Ciências Histórico-Filosóficas da Faculdade de Letras de Coimbra, destaca-se, à semelhança do irmão, como cantor de fados. Conhece o mestre guitarrista Flávio Rodrigues e a cantadeira popular Cristina Matos.

Casa pela primeira vez em 1950, com Maria Amália, de quem tem dois filhos, José Manuel e Helena. As dificuldades económicas levam-no a trabalhar como revisor no «Diário de Coimbra». Em 1953 grava os primeiros discos, o que voltou a acontecer em 1956 (já em discos de 45 rpm). Em 1960 grava a «Balada de Outono» e, depois, de modo irregular vai gravando alguns discos de pequeno formato (EP), até 1964, ano em que, já casado com Zélia, parte para Moçambique. Os filhos de ambos, Joana e Pedro, nascerão nos anos seguintes.

Pelo caminho deixa o serviço militar cumprido em Mafra (entre 1953 e 1955), onde se distinguiu pela sua permanente distração e incapacidade para dar ordens e uma experiência de professor do ensino secundário iniciada em 1956 e que o levou a diversos liceus e colégios de Mangualde, Aljustrel, Lagos, Faro e Alcobaça.

É ainda como mestre-escola que regressa a África em 1964, experiência que se revelará fundamental na sua formação política. Na Beira, colabora com o Teatro Experimental e escreve a música para a peça «E Excepção e a Regra», de Brecht. Volta a Portugal em 1967, ano em que é pela primeira vez editado em «long playing» (33 rpm) com «Baladas e Canções», historicamente o seu primeiro álbum, que recolhe gravações anteriores à sua partida para Moçambique e editadas em vários EPs.

Expulso do ensino por razões políticas, dedica-se mais assiduamente à música e inicia um período de gravações regulares com «Cantares do Andarilho» (1968). No ano seguinte grava «Contos Velhos Rumos Novos» e, em 1970, publica «Traz outro Amigo Também» e visita Cuba. No ano seguinte edita «Cantigas do Maio», e tudo passa a ser como era na música portuguesa. Em 1971 recebe o terceiro prémio consecutivo da Casa da Imprensa pelo melhor disco.

Em 1972 canta pela primeira vez na Galiza e participa no Festival Internacional da Canção do Rio de Janeiro, onde apresenta o tema «A Morte Saiu à Rua», dedicado ao pintor José Dias Coelho, assassinado pela Pide. Edita «Eu Vou Ser Como a Toupeira».

Participa activamente no III Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro, em Março de 1973 (onde estreia em público «O Que Faz Falta») e envolve-se na acção politica com grupos de vários sectores da Esquerda, desde o PCP à LUAR. Publica «Venham mais Cinco» (73).

Em 29 de Março de 1974 participa no Encontro da Canção, no Coliseu dos Recreios, onde a censura não lhe permite cantar mais do que duas canções: «Milho Verde» e «Grândola Vila Morena». Menos de um mês depois, a 25 de Abril, esta era a senha do Movimento das Forças Armadas para o início da que ficaria para a história com o nome único de Revolução dos Cravos.

Ainda em 1974 faz sair «Coro dos Tribunais», mas só voltará a publicar em 1976 ( «Com As Minhas Tamanquinhas»). Nesses meses («essa coisa magnifica que foi o PREC»), percorre o país de ponta a ponta, num sem fim de «sessões», «acções de dinamização», «campanhas de alfabetização». Grava um disco em Itália de apoio à luta do jornal «República» e outro para a LUAR («Viva o Poder Popular» / «Foi Na Cidade do Sado»), ganha o Prémio Internacional de Folklore da Academia Fonográfica alemã (1976). Apoia as candidaturas à Presidência da República de Otelo Saraiva de Carvalho (1976 e 1980) e Maria de Lurdes Pintasilgo (1985). Grava «Enquanto Há Força» (77), «Fura Fura» (79), «Baladas de Coimbra e Outras Canções» (81).

Em 1982 visita Moçambique e é recebido pelo Presidente Samora Machel com honras semelhantes às de um chefe de Estado. É-lhe diagnosticada uma doença incurável (esclerose lateral amiotrópica) que se caracteriza pela destruição lenta e progressiva do tecido muscular. Viaja pela Roménia, Inglaterra e Estados Unidos, em busca de uma solução.

Em 1983 realiza os últimos espectáculos, nos coliseus de Lisboa e Porto. Publica o disco «Ao Vivo no Coliseu» e um belíssimo LP de originais, «Como Se Fora Seu Filho». Um ano depois, recebe dos doze participantes no Concerto pela Paz e Não Intervenção na América Central, realizado em Manágua, uma das mais significativas homenagens: uma mensagem assinada, entre outros, por Pete Seeger, Chico Buarque, Carlos Mejía Godoy, Sílvio Rodriguez, Daniel Viglietti, Isabel Parra e Amparo Ochoa. Nesse mesmo ano foi editado o livro "As Voltas de um Andarilho", de Viriato Teles, uma extensa reportagem sobre a vida e a obra de Zeca. Em 1984, José António Salvador publica "Livra-te do Medo", um outro trabalho biográfico sobre o poeta-cantor - reeditado em 1994 em nova versão, mais ilustrada, com o título "José Afonso - O Rosto da Utopia".
Em 1985 publica o derradeiro disco, «Galinhas do Mato», onde já só dá voz a dois dos temas. Os restantes têm interpretações de Janita Salomé, Helena Vieira, Luís Represas, Né Ladeiras e José Mário Branco. Morre, no hospital de Setúbal, na madrugada de 23 de Fevereiro de 1987.