terça-feira, 26 de abril de 2011

Já esgotámos os adjectivos. Já percorremos substantivos. Sempre debalde: a farsa política continua. O FMI não está a negociar nada, está a entreter aqueles que julgam que têm poder. Mas já não têm. E, infelizmente, dizemos hoje: felizmente.
Hoje, o Governo vai apresentar a execução orçamental do primeiro trimestre. A melhor em muitos anos. Tão boa, aliás, que se a aplicasse a todo o ano, em 2011 teríamos superavit orçamental. Não um défice de 4,6%, como orçamentado; não um défice de 5,6%, como previu o FMI há poucas semanas, mas nada menos que superavit, lucro, mais receitas que despesas. Descobrimos a pedra filosofal!

A execução orçamental é tão boa que o Governo está a celebrá-la há quase uma semana, como um longo orgasmo tântrico. Mas será fingido? Não, não é fingido, mas é forçado. Porque esta consolidação orçamental levanta dúvidas. Não quanto ao composto de cortes drásticos a funcionários e serviços do Estado; mas quanto às contas que ficam por pagar.

O Orçamento do Estado tem uma certa alquimia: para o Tribunal de Contas, contam os compromissos; para Bruxelas, conta apenas o que se paga e recebe. Assim, basta um contabilista que acumule todas as facturas e nenhum dos recibos. Basta não pagar as contas e o défice melhora. Por pouco tempo, é claro. Mas só é preciso dois meses até às eleições. Dizê-lo não é ser cínico, é ter memória. Há ano e meio, o País foi às urnas com uma estimativa de défice falseada. Semanas depois, as contas públicas afinal eram outras. Escandalosamente piores. As mesmas pessoas, o mesmo assunto, o mesmo ilusionismo. Creia quem quiser.

Estes números decorrem quando já temos em Lisboa aqueles a quem pedimos socorro por não termos dinheiro para pagar sequer salários depois de Maio. O FMI vai recebendo as "forças políticas" e os "parceiros sociais" por respeito institucional. Mas chamar aos encontros "negociações" é de uma enorme generosidade. São pouco mais que audições.

Como é possível negociar com partidos que atiraram o País para uma crise política? Como, mesmo depois de pedir ajuda, continuam a jogar ao berlinde com o País? Dois exemplos: o Governo não responde sequer às perguntas do PSD sobre as contas públicas; o PSD não consegue impor até ao fim uma ideia de governação, recuando assim que é atacado pelo PS. São estes dois partidos que querem entender-se? Não, eles fazem malabarismo com navalhas.

Não há isentos de culpas, mas há uns mais culpados do que outros. O Governo, é claro, porque governou e porque persiste em prometer o que sabe que já não pode dar, o que já perdeu. A agenda do PSD, por tíbia que seja, é mais polémica e mais verosímil. Porque é uma agenda parecida com a do FMI, que é a agenda que vai vigorar. Mesmo que o PS ganhe as eleições.

A "troika" externa tem três dossiês: um com medidas de austeridade, outro para a sustentabilidade do sistema financeiro e o último com reformas estruturais. Os três estão já praticamente escritos e serão impostos em troca do empréstimo que ainda não está aprovado. E que sem acordo dos partidos não o será. O prazo é 15 de Maio, data do próximo Ecofin. Será preciso esperar pelas 20 horas da véspera? Para as assinaturas do documento, talvez sim. Para escrever o texto, não é preciso. É um texto com cortes de pensões, de salários, mais impostos, leis laborais, apoio aos bancos, mais concorrência e privatizações. O que Portugal não fez a bem fará à força. Com mais umas eleições pelo meio.

Pedro Santos Guerreiro

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