terça-feira, 28 de fevereiro de 2012





2012/02/01


Exmo Senhor Presidente da República

Lisboa

Vou usar um meio hoje praticamente em desuso mas que, quanto a mim, é a forma mais correcta de o questionar, porque a avaliar pelas conversas que vou ouvindo por aqui e por ali, muitos portugueses gostariam de ver esclarecidas as dúvidas que vou colocar a V/Exa e é por tal razão que uso a forma “carta aberta”, carta que espero algum dos jornais a que a vou enviar com pedido de publicação dê à estampa, desejando que a resposta de V/Exa fosse também pública.

Tenho 74 anos, sou reformado, daqueles que descontou durante 41 anos, embora tenha trabalhado durante 48, para poder ter uma reforma e que, porque as pernas já me não permitem longas caminhadas e o dinheiro para os transportes e os espectáculos a que gostaria de assistir não abunda, passo uma parte do meu dia a ler, sei quantos cantos há nos Lusíadas, conheço Camilo, Eça, Ferreira de Castro, Aquilino, Florbela, Natália, Sofia e mais uns quantos de que penso V/Exa já terá ouvido falar e a “navegar na net”.

São precisamente as “modernices” com que tenho bastante dificuldade em lidar que motivam esta minha tomada de posição porquanto é aí que circulam a respeito de V/Exa afirmações que desprestigiam a figura máxima do País Portugal, que, em minha opinião, não pode estar sujeita a tais insinuações que espero V/Exa desminta categoricamente.

Passemos à frente das insinuações de que V/Exa foi 1º Ministro de Portugal durante mais de dez anos, época em que V/Exa vendeu as nossa pescas, a nossa agricultura, a nossa indústria a troco dos milhões da CEE, milhões que, ao contrário do que seria desejável, não serviram para qualquer modernização ou reforma do nosso País mas sim para encher os bolsos de alguns, curiosamente seus correligionários senão mesmos seus amigos. Acredito que esse tempo que vivemos sob o comando de V/Exa e que tanto mal nos fez foi apenas fruto de incompetência o que, sendo lamentável, não é crime, os crimes foram praticados por aqueles que se encheram à custa do regabofe, perdoe-me o popularismo, que se viveu nessa época e que, curiosamente, ou talvez não, continuam sem prestar contas à justiça.

Entremos então no que mais me choca, porque nesses outros comentários,

a maioria dos quais anónimos mas alguns assinados, é a honestidade de V/Exa que é posta em causa e eu não quero que o Presidente da República do meu país seja o indivíduo que alguns propalam pois que entendo que o cargo só pode ser ocupado por alguém em quem os portugueses se revejam como símbolo de coerência e honestidade, é assim que penso que nesta carta presto um favor a V/Exa, pois que respondendo às questões que vou colocar, findarão de vez as maledicências que, quero acreditar, são os escritos que por aí circulam.

1ª Questão:

Circula por aí um “escrito” que afirma que V/Exa, professor da Universidade Nova de Lisboa, após ser ministro das finanças, foi convidado para professor da Universidade Católica, cargo que aceitou sem se ter desvinculado da Nova o que motivou que lhe fosse movido um processo disciplinar por faltar injustificadamente às aulas da Nova, processo esse conducente ao despedimento com justa causa, que se teria perdido no gabinete do então ministro da educação, a quem competiria o despacho final, João de Deus Pinheiro, seu amigo e beneficiado depois de V/Exa ascender a 1º Ministro com o lugar de comissário europeu, lugar que desempenhou tão eficazmente que o levou a ficar conhecido como “comissário do golfe”.

Pergunta directa:

Foi ou não movido a V/Exa um processo disciplinar enquanto professor da Universidade Nova de Lisboa?

Se a resposta for afirmativa, qual o resultado desse processo?

Se a resposta for negativa é evidente que todas as informações que andam por aí a circular carecem de fundamento.

2ª Questão:

Circulam por aí vários escritos sobre a regularidade da transacção de acções do BPN que V/Exa adquiriu.

Sendo certo que as referidas acções não estavam cotadas em bolsa e portanto só poderiam ser transaccionadas por contactos directos, vulgo boca a boca, faço sobre a matéria várias perguntas:

1ª - Quem aconselhou a V/Exa tal investimento?

2 ª- A quem adquiriu V/Exa as referidas acções?

3ª- Em que data, de que forma e a quem vendeu V/Exa as acções?

4ª- Sendo V/Exa um renomado economista não estranhou um lucro de 140% numa aplicação de tão curto prazo?

3ª Questão

Tendo em atenção o que por aí circula sobre a Casa da Coelha, limito-me a fazer perguntas:

1ª- É ou não verdade que o negócio entre a casa de Albufeira e a casa da Coelha foi feito como permuta de imóveis do mesmo valor para evitar pagamento de impostos?

2ª- Se já foi saldada ao estado a diferença de impostos com que atraso em relação à escritura se processou a referida regularização?

3ª- É ou não verdade que as alterações nas obras feitas na casa da Coelha, nomeadamente a alteração das áreas de construção foram feitas sem conhecimento da autarquia?

4ª- A ser positiva a resposta à pergunta anterior se já foi sanado o problema resultante de obras feitas à revelia da autarquia, em que data foi feita tal regularização e se foi feita antes ou depois das obras estarem concluídas?

5ª- Última pergunta, esta de mera curiosidade, será que V/Exa já se lembra do cartório em que foi feita a escritura?

4ª- Questão

Esta não circula na Net, é uma questão que eu próprio lhe coloco:

Ouvi V/Exa na TV dizer que tinha uma reforma de 1300 €, que quase lhe não chegava para as despesas, passando fugazmente pela reforma do Banco de Portugal. Assim pergunto:

1ª- Quantas reformas tem V/Exa?

2ª- De que entidades e a que anos de serviços são devidas essas reformas?

3ª- Em quantas não recebe 13º e 14º mês?

4ª- Abdicou V/Exa do ordenado de PR por iniciativa própria ou por imposição legal?

5ª Recebe ou não V/Exa alguns milhares de euros como “despesas de representação”?

Fico a aguardar a resposta de V/Exa com o desejo de que a mesma seja de tal forma conclusiva e que, se V/Exa o achar conveniente, venha acompanhada de cópias de documentos, que provem a todos os portugueses que o que por aí circula na Net, não passam de calúnias e intrigas movidas contra a impoluta figura de Sua Exa o Senhor Presidente da República de Portugal.

A terminar e depois de recordar mais uma das suas afirmações na TV, lembro uma frase do meu avô, há muito falecido, alentejano, analfabeto e vertical: “ NÃO HÁ HOMENS MUITO OU POUCO SÉRIOS, HÁ HOMENS SÉRIOS E OUTRAS COISAS QUE PARECEM HOMENS”. Por mim, com a idade que tenho já não preciso, nem quero nascer outra vez, basta-me morrer como tenho vivido, sério.

Com os meus melhores cumprimentos.

José Nogueira Pardal

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012






Traz outro amigo também - José Afonso

José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos (ZECA AFONSO) nasce em Aveiro, a 2 de Agosto de 1929, filho dum magistrado e duma professora primária. A infância reparte-se entre Aveiro, Angola, Moçambique, Belmonte e Coimbra, devido às sucessivas deslocações profissionais do pai.

Em Coimbra, estudante do Liceu D. João III, conhece o guitarrista António Portugal e começa a interessar-se pela música. Em fins da década de 40, já aluno de Ciências Histórico-Filosóficas da Faculdade de Letras de Coimbra, destaca-se, à semelhança do irmão, como cantor de fados. Conhece o mestre guitarrista Flávio Rodrigues e a cantadeira popular Cristina Matos.

Casa pela primeira vez em 1950, com Maria Amália, de quem tem dois filhos, José Manuel e Helena. As dificuldades económicas levam-no a trabalhar como revisor no «Diário de Coimbra». Em 1953 grava os primeiros discos, o que voltou a acontecer em 1956 (já em discos de 45 rpm). Em 1960 grava a «Balada de Outono» e, depois, de modo irregular vai gravando alguns discos de pequeno formato (EP), até 1964, ano em que, já casado com Zélia, parte para Moçambique. Os filhos de ambos, Joana e Pedro, nascerão nos anos seguintes.

Pelo caminho deixa o serviço militar cumprido em Mafra (entre 1953 e 1955), onde se distinguiu pela sua permanente distração e incapacidade para dar ordens e uma experiência de professor do ensino secundário iniciada em 1956 e que o levou a diversos liceus e colégios de Mangualde, Aljustrel, Lagos, Faro e Alcobaça.

É ainda como mestre-escola que regressa a África em 1964, experiência que se revelará fundamental na sua formação política. Na Beira, colabora com o Teatro Experimental e escreve a música para a peça «E Excepção e a Regra», de Brecht. Volta a Portugal em 1967, ano em que é pela primeira vez editado em «long playing» (33 rpm) com «Baladas e Canções», historicamente o seu primeiro álbum, que recolhe gravações anteriores à sua partida para Moçambique e editadas em vários EPs.

Expulso do ensino por razões políticas, dedica-se mais assiduamente à música e inicia um período de gravações regulares com «Cantares do Andarilho» (1968). No ano seguinte grava «Contos Velhos Rumos Novos» e, em 1970, publica «Traz outro Amigo Também» e visita Cuba. No ano seguinte edita «Cantigas do Maio», e tudo passa a ser como era na música portuguesa. Em 1971 recebe o terceiro prémio consecutivo da Casa da Imprensa pelo melhor disco.

Em 1972 canta pela primeira vez na Galiza e participa no Festival Internacional da Canção do Rio de Janeiro, onde apresenta o tema «A Morte Saiu à Rua», dedicado ao pintor José Dias Coelho, assassinado pela Pide. Edita «Eu Vou Ser Como a Toupeira».

Participa activamente no III Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro, em Março de 1973 (onde estreia em público «O Que Faz Falta») e envolve-se na acção politica com grupos de vários sectores da Esquerda, desde o PCP à LUAR. Publica «Venham mais Cinco» (73).

Em 29 de Março de 1974 participa no Encontro da Canção, no Coliseu dos Recreios, onde a censura não lhe permite cantar mais do que duas canções: «Milho Verde» e «Grândola Vila Morena». Menos de um mês depois, a 25 de Abril, esta era a senha do Movimento das Forças Armadas para o início da que ficaria para a história com o nome único de Revolução dos Cravos.

Ainda em 1974 faz sair «Coro dos Tribunais», mas só voltará a publicar em 1976 ( «Com As Minhas Tamanquinhas»). Nesses meses («essa coisa magnifica que foi o PREC»), percorre o país de ponta a ponta, num sem fim de «sessões», «acções de dinamização», «campanhas de alfabetização». Grava um disco em Itália de apoio à luta do jornal «República» e outro para a LUAR («Viva o Poder Popular» / «Foi Na Cidade do Sado»), ganha o Prémio Internacional de Folklore da Academia Fonográfica alemã (1976). Apoia as candidaturas à Presidência da República de Otelo Saraiva de Carvalho (1976 e 1980) e Maria de Lurdes Pintasilgo (1985). Grava «Enquanto Há Força» (77), «Fura Fura» (79), «Baladas de Coimbra e Outras Canções» (81).

Em 1982 visita Moçambique e é recebido pelo Presidente Samora Machel com honras semelhantes às de um chefe de Estado. É-lhe diagnosticada uma doença incurável (esclerose lateral amiotrópica) que se caracteriza pela destruição lenta e progressiva do tecido muscular. Viaja pela Roménia, Inglaterra e Estados Unidos, em busca de uma solução.

Em 1983 realiza os últimos espectáculos, nos coliseus de Lisboa e Porto. Publica o disco «Ao Vivo no Coliseu» e um belíssimo LP de originais, «Como Se Fora Seu Filho». Um ano depois, recebe dos doze participantes no Concerto pela Paz e Não Intervenção na América Central, realizado em Manágua, uma das mais significativas homenagens: uma mensagem assinada, entre outros, por Pete Seeger, Chico Buarque, Carlos Mejía Godoy, Sílvio Rodriguez, Daniel Viglietti, Isabel Parra e Amparo Ochoa. Nesse mesmo ano foi editado o livro "As Voltas de um Andarilho", de Viriato Teles, uma extensa reportagem sobre a vida e a obra de Zeca. Em 1984, José António Salvador publica "Livra-te do Medo", um outro trabalho biográfico sobre o poeta-cantor - reeditado em 1994 em nova versão, mais ilustrada, com o título "José Afonso - O Rosto da Utopia".
Em 1985 publica o derradeiro disco, «Galinhas do Mato», onde já só dá voz a dois dos temas. Os restantes têm interpretações de Janita Salomé, Helena Vieira, Luís Represas, Né Ladeiras e José Mário Branco. Morre, no hospital de Setúbal, na madrugada de 23 de Fevereiro de 1987.